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ILEGALIDADE DA INTERCEPTAÇÃO DAS CONVERSAS DOS ADVOGADOS – VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS ADVOCATÍCIAS

By 30 de julho de 2024agosto 13th, 2024No Comments

ILEGALIDADE DA INTERCEPTAÇÃO DAS CONVERSAS DOS ADVOGADOS – VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS ADVOCATÍCIAS

Luiz Felipe Mallmann de Magalhães[1]

 

  1. INTRODUÇÃO

A prática de interceptação das comunicações dos advogados, sejam telefônicas ou não, tem ocorrido de forma recorrente, porém é uma grave violação das prerrogativas advocatícias.

Estas violações atingem não apenas os advogados, mas também o cidadão, que se vê representado pelo advogado.

O presente artigo tem por escopo tecer algumas considerações acerca dos principais aspectos jurídicos do princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações dos advogados com seus clientes.

 

  1. DAS INTERCEPTAÇÕES DE COMUNICAÇÕES

Antes de tratar sobre a interceptação das comunicações dos advogados e seus limites, é fundamental discorrer, mesmo que de forma breve, sobre a previsão da Constituição Federal, com relação ao que dispõe sobre sigilo aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

A Constituição Federal, em seu título II, que trata sobre os direitos e garantias fundamentais, prevê no artigo 5°, XII, serem invioláveis a todos brasileiros e estrangeiros residentes no país o seu sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, conforme segue:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

  XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 

Desta forma, conforme constata-se, existe uma exceção, onde se autoriza a violação, sendo ela, a parte final do inciso XII.

A parte final do inciso XII, é regulamentada pela Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996.

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

O disposto nesta lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

De qualquer forma, visando resguardar o sigilo previsto na Constituição da República, não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

E mais, para que haja a interceptação, fundamental que seja descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou ainda a requerimento da autoridade policial (na investigação criminal) ou do representante do Ministério Público (na investigação criminal e na instrução processual penal).

Obrigatoriamente, o pedido de interceptação de comunicação telefônica deverá conter a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

A decisão deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, bem como deverá indicar a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

 

  1. DO SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO

 O sigilo profissional do advogado, é a condição de dever manter em segredo informações advindas de seus clientes, no exercício da advocacia.

Neste sentido, prevê o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil[2] que deve o advogado guardar sigilo dos fatos de que tenha conhecimento no seu exercício.

Prevê ainda, serem confidenciais as comunicações de qualquer natureza entre advogado e cliente.

Inclusive, violar sigilo profissional constitui infração disciplinar prevista no artigo 34, VII, da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994[3], que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No mesmo sentido preceitua o Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) em seu artigo 207, que impede  o advogado de depor sobre informações envolvendo seus clientes.

Desta forma, conforme demonstrado, deve o advogado manter sigilo do que é tratado com seu cliente.

 

  1. DA INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES DOS ADVOGADOS COM SEUS CLIENTES

  A Constituição Federal, em seu artigo 5°, XII, conforme já demonstrado, assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade de suas comunicações, salvo havendo ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

 Já o seu artigo 133, dispõe ser o advogado indispensável à administração da justiça, possuindo inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Assim, conforme previsão da Constituição Federal, não pode o advogado ter violadas suas comunicações com seus clientes no exercício profissional.

Ademais, prevê a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), eu seu artigo 7º, incisos II e III:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

Já o §6° do seu artigo 7º, dispõe que, havendo indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II supra, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Desta forma, não há qualquer dúvida de que são ilícitas quaisquer espécies de interceptações da comunicação dos advogados com seus clientes relativos ao seu exercício profissional.

 

  1. DA INTERCEPTAÇÃO FORTUITA DAS CONVERSAS DOS ADVOGADOS

Este é o típico caso onde existe decisão judicial determinando a interceptação telefônica de investigados, e que casualmente acaba por captar conversas estabelecidas entre advogado e cliente.

Embora haja decisões, em especial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal decidindo que por não ter sido determinada a quebra de sigilo do advogado, pois foram captadas fortuitamente suas conversas com o cliente/investigado, não há que se falar em quebra do sigilo das comunicações do advogado no exercício lícito de sua profissão, entendo que são elas (decisões) absolutamente equivocadas, afrontando o que preceitua a Constituição Federal e a Lei n° 8.906,  de 4 de julho de 1994.

Ora, quando da interceptação fortuita de quaisquer espécies de comunicações, estando o advogado no exercício da profissão, possui inviolabilidade por seus atos e manifestações.

Inclusive, dispõe o Conselho Federal da OAB, que a interceptação telefônica do advogado de forma incidental, viola suas prerrogativas profissionais, tendo o mesmo direito de desagravo e providências em seu favor:

 

 RECURSO N. 49.0000.2016.009963-9/PCA. EMENTA N. 063/2017/PCA. 1. Pedido de desagravo e assistência cumulados com providências. 2. Interceptação telefônica em desfavor de advogado. 3. Escuta autorizada judicialmente e nos moldes legais. 4. Captação incidental e transcrição para autos distintos que configura violação às prerrogativas profissionais do advogado. 5. Violação de direito do advogado. 6. Ocorrência. 7. Existência de lesão as prerrogativas do advogado. 8. Direito a Desagravo configurado. 9. Recurso deferido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade em darlhe parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Impedida de votar a Representante da OAB/Paraná. Brasília, 18 de setembro de 2017. Felipe Sarmento Cordeiro, Presidente. Ricardo Bacelar Paiva, Relator. (DOU, S.1, 03.10.2017, p. 78)

 

Assim, é vedado interceptar conversas do advogado, pois existe proteção legal, e, caso ocorra, mesmo que de forma fortuita quaisquer espécies de conversas, resultará em provas ilícitas, devendo, portanto, serem desentranhadas dos autos.

 

  1. CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, estando o advogado no exercício da advocacia, suas conversas com clientes jamais podem ser interceptadas.

A utilização das conversas entre alvos de interceptações telefônicas com os profissionais da advocacia, para amparar ações penais, são absolutamente vedadas.

A sua utilização, além de afrontar o que dispõe o artigo 7°, II, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 e a Constituição Federal em seu artigo 133, ainda vai de encontro com o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, contido no seu artigo 5°, LV.

Desta forma, são invioláveis as conversas do advogado com seu cliente, sejam através de ligações ou mensagens telefônicas de voz, mensagens escritas, e-mails, no parlatório dos presídios ou ainda quaisquer outras conversas aqui não nominadas.

Infelizmente, algumas autoridades, quando deveriam justamente respeitar a legislação não o fazem, por entenderem equivocadamente que se alguém está sendo interceptado, mesmo que suas conversas sejam com seu advogado constituído, podem ser ouvidas e utilizadas em seu desfavor, o que é inadmissível.

Estão a violar as prerrogativas profissionais e o direito da cidadania, sendo uma afronta ao Estado Democrático de Direito.

Possui, portanto, a conversa entre advogado no seu exercício profissional com seu cliente, toda a proteção da lei quanto a sua inviolabilidade.

É vedado interceptar conversas do advogado, pois existe proteção legal, e, caso ocorra, mesmo que de forma fortuita quaisquer espécies de conversas, resultará em provas ilícitas, devendo, portanto, serem desentranhadas dos autos.

Em sendo violadas as suas conversas, deve o advogado imediatamente solicitar o seu desentranhamento dos autos, pois são provas ilícitas.

Poderá procurar a Ordem dos Advogados do Brasil solicitando assistência, buscando seja desagravado, bem como consequentemente representar contra os responsáveis pelos atos ilegais cometidos.

[1] Luiz Felipe Mallmann de Magalhães é advogado criminalista, Vice-Presidente da Comissão de Direito Penal Econômico do Conselho Federal da OAB, Membro Titular da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia do Conselho Federal da OAB por 3 gestões, Conselheiro da OAB/RS, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal.

[2] Art. 35. O advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão.

[3] Art. 34. Constitui infração disciplinar:

VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional.

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